Por Marcelo Cardoso para Think Work Lab

Para se transformarem, as organizações precisam ser feitas de “seres humanos” e não de “recursos humanos”, escreve Marcelo Cardoso

Tenho ouvido de gestores e empresários sobre a dificuldade de manter um time engajado, comprometido e coeso. Por mais que se ofereçam benefícios, oportunidades de crescimento e treinamento, parece que tem sido um padrão as pessoas ficarem muito pouco tempo em suas funções e empregos, desistindo facilmente perante desafios e tensões, muitos deles naturais na vida profissional.

A relação das pessoas com a vida e com o trabalho está se transformando radicalmente e isso tem exigido uma mudança em como as organizações funcionam. Como tenho falado, é a hora das organizações feitas “de seres humanos”, não mais “de recursos humanos” –  e isso tem implicações profundas para a gestão.

O grande problema é que, durante os últimos duzentos anos, as organizações se especializaram em métodos, processos, tecnologias, mecanismos de incentivo… enfim, se especializaram na perspectiva e na lógica objetiva dos sistemas e das coisas. Assim, são ações e reações que não levam em conta muito da experiência e perspectiva no nível subjetivo das pessoas e intersubjetivo das relações. Essas perspectivas interiores das pessoas e relações são, logicamente, afetadas pelas condições externas e objetivas, mas têm soberania própria: têm dinâmicas e regulações com profunda origem no contexto interno das pessoas e que exigem uma outra lógica de ação, um novo conjunto de práticas e metodologias.

Um exemplo de uma mudança significativa nesta direção é a iniciativa “Inner Development Goals”, um projeto aberto que envolve diversos centros de pesquisas, universidades e think tanks europeus. Ele é dedicado “a desenvolver habilidades internas, competências e outras qualidades para pessoas e organizações envolvidas em esforços para contribuir para uma sociedade global mais sustentável”. Segundo seus idealizadores, os progressos em direção aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) são muito decepcionantes. Para eles, “nos falta (como sociedade) a capacidade interior para lidar com nosso ambiente e desafios cada vez mais complexos”. E, continuam: “Felizmente, pesquisas modernas mostram que as habilidades internas de que todos precisamos agora podem ser desenvolvidas”.

Em outras palavras, o projeto está direcionando esforços para o desenvolvimento interior de pessoas e grupos para alcançar os objetivos externos das ODS, adotando uma lógica inversa do que ocorre normalmente nas organizações, que costumam buscar, através de mecanismos externos (como bônus, benefícios, premiações e ambientes descontraídos), gerar uma motivação intrínseca nas pessoas, o que tem se mostrado ineficaz.

Por meio de um trabalho interior sério, baseado no que existe de mais atual em psicologia do desenvolvimento humano e desenvolvimento integral de pessoas, é possível criar condições para pessoas e grupos ganharem uma musculatura interior que crie espaços além de seus condicionamentos limitadores, o que gera tanto benefícios pessoais quanto efeitos favoráveis na forma como as pessoas trabalham juntas e realizam suas funções.

Nesse tipo de projeto, primeiro se reconhece que um indivíduo é um sistema complexo composto de um corpo físico, emoções, cognição e consciência, e que essas dimensões influenciam umas as outras o tempo todo. O desenvolvimento consiste em oferecer recursos para as pessoas relaxarem seus sistemas nervosos (altamente influenciados por impulsos instintivos inconscientes) e, assim, ganharem consciência sobre suas emoções. Isso permite que as pessoas entendam seus padrões de pensamento e sentimento, que são baseados em crenças que, muitas vezes, não correspondem a fatos e, sim, a condicionamentos provenientes de situações do passado.

Quando se abre esse tipo de espaço, essa brecha interna, as pessoas deixam de perder tanta energia pessoal reagindo, tentando se equilibrar entre seus condicionamentos.

Elas podem, finalmente, encarar seus potenciais antes inexplorados. Esse é o momento em que o indivíduo pode reconhecer seus recursos como potenciais para realizar um propósito pessoal, e é essa a chave que pode conectar o indivíduo e a organização, um propósito ou um significado comum ou compartilhado.

Este encontro é aquilo que, acredito eu, permite uma nova e excitante relação de trabalho, em que indivíduos estão dispostos a aprender e a evoluir. Mais do que isso, estão dispostos também a desaprender aquilo que não vale mais carregar do passado, se abrindo ao mistério do potencial daquilo que ainda não entendemos, mas que está pronto para emergir, entendendo que estes são desafios pelos quais vale a pena trabalhar e viver.