Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso escreve sobre a capacidade de auto-organização do ser
humano e como isso pode ser aplicado nas organizações

Vemos uma escalada de conflitos em todos os níveis, do micro ao macro, da violência doméstica às guerras entre países. Entender o conflito como parte da nossa natureza e transcendê-lo é o segredo para evoluirmos e chegarmos a um bom lugar

Falar sobre o amor em épocas difíceis e de conflitos como a que vivemos pode parecer ingênuo ou mesmo cínico, sobretudo para aqueles que são diretamente afetados pela dor da violência e da intolerância.

Mas eu acredito que exista um lugar para este tema para além do paradoxo que opõe amor e conflito, um lugar em que podemos transcender e encontrar um ponto de convergência que seja curativo e construtivo. E isso vale para os nossos embates internos, para as nossas relações pessoais, e também as desavenças que ocorrem nas organizações, chegando até às grandes hostilidades entre países.

Vemos, infelizmente, uma escalada de conflitos em todos os níveis. Os sinais estão presentes nos índices de doenças mentais, de violência doméstica, até na crescente polarização política e nas guerras que se espalham e projetam uma sombra sobre o nosso futuro. Esse estado obviamente nos assusta, afeta o nosso senso de segurança e lamentamos por aqueles que passam por esses horrores.

Se reagirmos a esse contexto de forma irrefletida, para afastar de imediato qualquer ideia de confronto da nossa vida ─ advogando pelo amor e por um pacifismo que seja um mero contraponto ao conflito ─ correremos o risco de sermos mesmo ingênuos ou cínicos, ou pior ainda, de projetar no mundo e nos outros a nossa própria sombra de agressividade, jogando mais combustível sobre situações já instáveis.

O amor está entre os extremos

Então, como lidar com a discórdia em um lugar que não seja nem de omissão nem de reação irrefletida? O paradoxo que esse tema traz me faz lembrar do padre místico cristão Teilhard de Chardin.

Para quem não o conhece, Chardin foi um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que tentou construir uma visão integradora entre ciência e teologia. Por sua proposta, ele foi uma figura controversa, que só recentemente começou a receber o devido reconhecimento pela sua contribuição.

Conta-se que, na trincheira belga em que atuava como capelão, em meio aos horrores da Primeira Guerra Mundial, Chardin teve sua visão espiritual da presença da amorosidade divina em evolução. Um Amor que não é oposto da guerra, mas que a transcende.

A inspiração que Chardin nos dá encontra eco na visão sobre amor e conflito que o psicoterapeuta Keith Witt nos oferece. Keith, o melhor terapeuta de casais que já conheci, costuma dizer que é no espaço de conflito e de tensão saudável entre a ordem e o caos que a evolução pode acontecer.

Portanto, o conflito em si é uma expressão saudável da natureza em evolução; o que precisamos é evitar que a reatividade escale para os estados defensivos do extremo da ordem (a rigidez completa, quando se fixa em seu próprio ponto de vista) ou do extremo do caos (agressão e violência, quando se deseja eliminar o outro).

Pois nos extremos não há espaço para a evolução.

O conflito é parte da nossa natureza

Segundo Keith, se conseguimos sustentar este espaço (desconfortável) de conflito, sem deixar que descambe para os extremos, a recompensa é um aumento crescente da intimidade, da profundidade e da complexidade da relação.

E assim o conflito se dissolve em uma união transcendente de êxtase e diversão, e se amplia o espaço interno de amorosidade e vínculo para um novo estágio.

Nesse processo, ter conhecimento dos nossos gatilhos e saber lidar com a reatividade são essenciais. Do ponto de vista coletivo e institucional, acompanhar indicadores que apontem para os limites de rigidez e de caos em nossos sistemas, e uma gestão adequada à complexidade, é crucial.

Se pudermos, como diz Keith, “continuar a bombear compaixão, amor e diversão na interface fractal entre a ordem e o caos, até que essa se transforme em calor e intimidade, que são os padrões de ouro da reparação interpessoal”, poderemos transformar o nosso microcosmo das relações afetivas, familiares e comunitárias e, sobretudo, curar a nós mesmos.

Link para o artigo original: https://thinkworklab.com/artigos/ordem-e-caos-amor-e-dor-como-vencer-conflitos-e-alcancar-a-cura/https://valor.globo.com/carreira/coluna/como-seria-colocar-o-amor-no-centro-das-decisoes.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil