Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso escreve sobre a capacidade de auto-organização do ser
humano e como isso pode ser aplicado nas organizações

Vemos uma queda expressiva da confiança das pessoas nas instituições, segundo pesquisas realizadas anualmente por institutos especializados. Esse fenômeno atinge empresas, governos e organizações públicas. Mesmo ongs, fundações, órgãos internacionais e a mídia estão enfrentando uma perda de credibilidade contundente.

O que essas instituições têm em comum é que são gerenciadas com base em modelos hierarquizados de liderança. Podemos supor, então, que essa desconfiança institucional tem muito a ver com a desconfiança na capacidade desses líderes de endereçarem as demandas da sociedade. Essa falta de credibilidade tem razão de ser e ela não tem a ver necessariamente com falta de competência ou ética de pessoas no poder, mas reside na própria concepção do significado de liderança e como as organizações realmente funcionam.

Segundo Gabriela Labowski em “Managing without Leadership”, há “uma discrepância entre as formas como os membros de uma organização acreditam que o trabalho funciona e como as teorias de liderança explicam o funcionamento organizacional”, o que significa que as pessoas não entendem como uma organização complexa realmente acontece e que ninguém é capaz – individualmente – de perceber a totalidade da operação.

O papel da liderança na maior parte do tempo, torna-se uma contínua recriação de problemas abstratos que nada têm a ver com o que está ocorrendo de forma orgânica num dado sistema organizacional.

Precisamos dar um passo e ir além da liderança como a concebemos, o que não significa abolir qualquer forma de organização coletiva, mas sim nos apoiar no que a natureza, incluindo o nosso próprio organismo, tem realizado a milhares de anos com sucesso: a auto-organização.

Não percebemos como a auto-organização esteve sempre presente em nossas comunidades. Sejam crianças brincando na rua, seja um movimento coletivo diante de uma crise. Os humanos se auto-organizam para distribuir a carga de energia em cada tarefa demandada, seja física, psicológica ou cognitiva, como nos ensina Bonitta Roy, uma filósofa que tem me inspirado a pensar nos desafios de gestão.

Eu comecei a trabalhar com 14 anos e queimei etapas até me tornar presidente de empresa com apenas 30. Nessa ascensão rápida, usei minha competitividade e a cultura meritocrática, e acreditei por muito tempo que esse modelo piramidal, que privilegiava umas poucas pessoas “que iriam fazer a diferença”, era o melhor modelo.

No processo, eu me machuquei e machuquei muita gente querida. Fiquei inquieto, busquei aprendizado, me desenvolvi, e testei novos modelos de gestão.

Faz nove anos que fundamos a nossa empresa com essa ideia de empreender como um ecossistema de profissionais. Ainda estamos evoluindo nosso modelo de liderança distribuída e poder compartilhado, e temos contribuído com nossos clientes a desenvolver os seus próprios modelos.

O maior desafio para o sucesso de uma empreitada de autogestão é garantir que quem tem mais poder no sistema esteja predisposto a distribuí-lo e quem recebe tenha maturidade para lidar com as consequências. Não são tarefas triviais, pois construímos nossa identidade pessoal projetando poder em figuras de autoridade com quem nos relacionamos, começando por nossos pais.

As projeções do nosso inconsciente minam a nossa capacidade de exercer o poder mútuo, que é a disponibilidade de influenciar e ser influenciado nas múltiplas relações que são necessárias para a execução de tarefas. Bonita Roy nos relembra como somos naturalmente bons em nos auto-organizar, e nos convida a contornar os nossos condicionamentos culturais modernos – sob os quais reside nossa insatisfatória noção de liderança e hierarquia – a fim de criarmos novas organizações e sociedades no futuro.

Temos à disposição novas tecnologias sociais e conhecimento para este movimento, precisamos desafiar os pressupostos individuais e coletivos e dar passos corajosos em direção a sistemas que sigam estes princípios evolutivos.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/como-seria-colocar-o-amor-no-centro-das-decisoes.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil