Por Marcelo Cardoso para o Valor
O colunista Marcelo Cardoso fala sobre a importância de as empresas serem mais acolhedoras e estarem dispostas a estimular a evolução dos profissionais
Quando, durante a pandemia, as fronteiras entre vida pessoal e profissional colapsaram, o tema do pertencimento no trabalho tornou-se um dos mais importantes da gestão organizacional. Antes da covid-19, estávamos em um contexto com certa estabilidade, no qual a maioria das pessoas possuía rituais diários, com configurações que delimitavam o trabalho dos outros papéis da vida. De alguma forma, essa previsibilidade acomodava algumas questões que já eram importantes, mas que estavam ocultas na normalidade dos rituais. Porém, a pandemia modificou completamente os rituais que mantinham cada coisa em seu lugar.
No momento em que esses rituais deixaram de existir e as fronteiras se tornaram tênues, o sentido de pertencimento passou por um abalo sem precedentes, e ainda não conseguimos compreender sua extensão no longo prazo.
Os gestores têm se perguntado, agora, qual a implicação deste novo momento para a evolução da cultura das organizações e a experiência de pertencimento dos funcionários, tão necessária para a nova realidade.
Mas o que é pertencimento? Convido os leitores a deixar de lado a noção que vêm sendo difundida de forma superficial por algumas pesquisas e a banalidade da proposta de valor oferecida pela empresa, o chamado Employee Value Proposition (EVP), que empresta do marketing de consumo um modelo que não faz nenhum sentido para o nosso tema.
A experiência de pertencer é subjetiva, complexa, e acontece simultaneamente em múltiplos sistemas dos quais fazemos parte. Tem como ponto de partida a memória impressa em cada um de nós, a partir da experiência arraigada de pertencimento que vivemos nos primeiros anos da infância.
Na definição de Bonnie M. Hagerty, professora da Universidade de Michigan, o sentido de pertencimento consiste no sentimento, crença e expectativa formadas por meio das experiências de “ser valorizado, necessário ou importante” e “a sensação de ter um lugar e congruência”.
Nossa experiência de ser valorizado e ter um espaço é construída muito cedo, em nossa infância. Cada um de nós tem um registro das experiências que nos marcaram profundamente, gerando um padrão de comportamento que precisamos repetir para nos sentirmos aceitos – aquilo que chamamos, normalmente, de script de personalidade.
A questão importante é que em nossa vida, relacionamentos afetivos, amizades e relação com o trabalho somos testados por experiências que reforçam ou contrariam nosso script.
A maturidade emocional passa, então, a ser fundamental para não projetarmos no trabalho e nas pessoas com quem trabalhamos expectativas irreais de aceitação e reconhecimento que ficaram para trás na nossa infância. E essas projeções e transferências são mais comuns do que imaginamos.
Como organizações, ainda temos um longo caminho pela frente, mas já existem boas pistas surgindo. Recentemente, Sonja Blignaut, fundadora da consultoria More Beyond, encontrou alguns padrões em uma sondagem sobre o tema e oferece algumas sugestões.
A primeira é que precisamos mudar o foco, sair da busca por alinhamento e ajuste cultural para buscarmos coerência e diversidade cultural.
A segunda é que novas e diferentes fronteiras são necessárias para criar contenção que ajude os colaboradores a navegar nas tensões e a lidar com a ansiedade da perda de controle. Essas novas fronteiras devem ser “estruturas libertadoras” que substituem os processos e políticas tradicionais de governança, construídas com suporte tecnológico.
É necessário, ainda, buscar coerência entre o “sistema que está na mente e coração das pessoas” e os novos espaços de trabalho. Os lugares físicos e digitais precisam manter a conexão entre os vários subsistemas e o todo maior, a serviço de um propósito. Os ambientes físicos e virtuais deveriam ser desenhados para criar nas pessoas uma experiência de justiça, cuidado e pertencimento.
A forma como o trabalho e o seu significado vão evoluir ainda é incerta, no entanto, o sentimento de pertencimento é intrínseco à experiência humana. Que nós, como líderes, possamos abraçar as incertezas e termos coragem de propor novos espaços que acolham, estimulem e despertem o potencial evolutivo das pessoas e organizações.
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