Por Marcelo Cardoso para o Valor

O colunista Marcelo Cardoso traz uma reflexão sobre traços de psicopatia comuns entre líderes e o custo disso para indivíduos, organizações e sociedade.

Em 2015, pesquisa de Jon Ronson revelou que 4% dos líderes de negócio eram psicopatas, uma taxa quatro vezes maior do que na sociedade em geral.

Em 2017, pesquisa feita na Itália por Rovelli e Curnis descobriu que narcisistas patológicos cresciam cerca de 29% mais rápido na carreira até a posição de presidente, em comparação com o candidato médio com qualificações semelhantes.

Essas pesquisas deveriam ter escandalizado a sociedade, promovido um profundo debate e levado a ações por parte das organizações para mudar essa realidade. Mas o que se viu foi um agravamento desse quadro.

Com a ascensão de líderes como Trump mundo afora, cientistas mergulharam mais a fundo nessa intersecção entre liderança e psicopatia e os resultados não são animadores.

Pesquisa de Simon Cross, em 2020, apontou que 12% da liderança sênior corporativa exibe traços psicopáticos, índice 12 vezes mais comum na alta administração do que entre a população em geral.

Esses resultados ajudam a explicar muita coisa, como, por exemplo, a frieza dos grandes investidores e executivos eximindo-se de suas responsabilidades nas fraudes financeiras e crimes ambientais, como acompanhamos em casos como o escândalo da Americanas e Brumadinho e Mariana.

A razão para esses altos postos serem o habitat perfeito para esse perfil reside sobretudo nos mecanismos de incentivo corporativo, que valorizam o resultado financeiro e o sucesso sem limites, enquanto ocultam e externalizam seus custos sociais, psicológicos e ambientais.

Essa opulência aparente e a miséria interna que rege o mundo dos negócios corresponde aos traços de personalidade patológicos, incapazes de olhar para suas sombras e transformá-las, enquanto buscam manipular friamente a realidade externa.

Não são apenas os psicopatas e narcisistas que carregam sombras, todo temos as nossas. O que diferencia indivíduos psicologicamente mais saudáveis é a capacidade de metabolizar as experiências em diálogos internos, permitindo a diferenciação do que é responsabilidade própria e o que é responsabilidade externa. Essa dinâmica de equilíbrio promove estrutura interna, preserva as relações e protege o mundo externo, através do exercício da ética.

O filme “Oppenheimer” demonstra essa capacidade quando o cientista olha para sua sombra ao repetir o verso do Gita: “Agora, me tornei a morte, o destruidor de mundos”. Um reconhecimento sobre a sua responsabilidade, o que implicou em uma mudança substancial de sua posição perante o programa nuclear.

Mas é preciso reconhecer que não é fácil ou agradável cuidar das próprias sombras e, às vezes, a vida nos coloca na rota de uma crise para podermos encará-las.

São poucos os que reconhecem e trabalham suas sombras nas organizações. O comportamento mais comum vai no sentido de ocultar essas imperfeições, aumentando seu potencial destrutivo, gerando um alto custo para indivíduos, organizações e sociedade.

A sombra está presente nos líderes que se vangloriam pelo sucesso enquanto terceirizam o fracasso para sua equipe; na mentalidade de silos e no jogo de empurra entre áreas; ou ainda na competição desleal que esmaga a concorrência como um inimigo.

Há ainda os casos das fofocas, dos “elefantes na sala” e da ética da desconfiança, que criam metástases na forma de reuniões, memorandos e burocracia que tangenciam os problemas, mas não os endereçam diretamente. Quantas decisões importantes são tomadas todos os dias nas organizações e estão vinculadas ao jogo do ego vaidoso, imaturo e fragmentado? Imagine o impacto.

Enfrentamos desafios civilizatórios sem precedentes, que exigem liderança e poder compartilhados. O começo desse processo é fazer com que cada um de nós seja responsável por “limpar a própria fralda” para, como adultos, estarmos em relação e exercermos nossas escolhas para sermos lembrados como ancestrais que contribuíram para promover evolução.

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil