Por Marcelo Cardoso para a Think Work

Para a Today, Marcelo Cardoso escreve sobre a importância do conceito da Metacrise para entendermos a urgência dos desafios que enfrentamos hoje como sociedade

Nas últimas semanas, as grandes questões globais estiveram em evidência. Além da tradicional Assembleia Geral da ONU, trazendo em pauta a guerra na Ucrânia, a pobreza global e os alarmantes efeitos do aquecimento global, tivemos ainda o encontro do Pacto Global, em que trezentos empresários convidados em Nova York falaram das ações para a Amazônia, e ainda foi realizada a Declaração Política da Cúpula dos ODS, “reafirmando o compromisso de implementar a Agenda 2030”.

Todas essas ações seriam louváveis e inspiradoras, se não estivéssemos todos em um caminho acelerado para a autoextinção, ou, na melhor das hipóteses, uma mudança rápida e significativa para muito pior para toda a humanidade. Não só para os nossos netos, não só para os nossos filhos, mas também para nossos amigos, familiares e para nós mesmos.

Para fazer uma metáfora, todos esses grandes fóruns, grandes eventos multisetoriais, de governos, de agências reguladoras, de corporações, ongs ou startups de impacto ─ todos eles ─ se parecem muito com aquelas reuniões de planejamento, demoradas e gentis, em que a maioria concorda com obviedades mostradas numa tela de powerpoint, falando de ações grandiosas e inócuas para encobrir aquilo que realmente importa, que é um enorme e fedido elefante na sala que ninguém tem coragem de mencionar, e quando o faz, é rapidamente abafado.

Só que o elefante que está na sala do mundo é nada menos do que uma crise sistêmica global desenfreada, que faz com que não movamos uma palha para mudar radicalmente o estado de coisas que estão aí e que quase ninguém quer: extinção massiva de espécies, bilhões de miseráveis, escravatura moderna, abusos infantis e de minorias, guerras, venenos e cancerígenos em nossos alimentos, nossa água e nosso ar.

Há dez anos, quando lançávamos o Metamodelo Integral de Gestão, o termo que usávamos para descrever o contexto em que as organizações estavam inseridas era o famoso VUCA. Nos últimos anos, quando utilizamos o modelo em nossos projetos, substituímos por um termo muito mais adequado (e curiosamente muito menos difundido) que é a Metacrise. Por mais acurado que o termo seja, ele não é tão sedutor e atrativo como o VUCA. Este último remete a surpresa (oba!), enquanto Metacrise remete a urgência.

Num desses eventos que mencionei, a Semana de Impacto de Estocolmo, que aconteceu recentemente, houve uma palestra de Daniel Schmachtenberger, um dos principais pensadores da Metacrise. Em meio a uma plateia festiva de consultores e empreendedores de startups e negócios de impacto, Daniel estava particularmente mais sombrio do que de costume, trazendo o tema com a lucidez de sempre, mas com um componente emocional a mais, necessário para tocar aquela plateia.

Vale aqui repetir suas palavras finais:

Lembro-me da citação de Krishnamurti de que estar bem ajustado a uma sociedade profundamente insana não é uma boa medida de saúde mental. Vai parecer que estou tentando radicalizar você, e eu estou, mas estou tentando falar sobre a única coisa que considero sensata em um mundo que é completamente doido. Então eu não quero moralizar você inutilmente, para que você meio que se sinta mal no seu caminho para a cama, enquanto continua fazendo o mesmo de sempre.

A pergunta que eu estava falando no início, como se alguma dessas coisas importam, eu diria que o feed da sua mídia social vai continuar mostrando o mesmo e os seus boletos vão continuar a chegar, e a mídia continuará mostrando as coisas que eles acham que estão erradas, e suas obrigações existenciais continuarão a pressionar você… e que você não será capaz de se dedicar a isso (metacrise) de memória e sozinho.

Você terá que mudar o feed do que está chegando à sua consciência, daquilo que vem à sua consciência todos os dias… então coloque o podcast de Nate (Hagens), coloque o trabalho de outras pessoas que estão te acordando ou te lembrando de como as coisas são. Coloque essas coisas em seu feed diário de alguma forma, porque todos nós somos a média das cinco pessoas com quem passamos mais tempo, e nossa consciência é influenciada pelo que estamos prestando atenção. 

Mude quem está ao seu redor e altere o feed de informações que chega até você de forma que o que é mais verdadeiro e significativo é aquilo de que você mais se lembra. Se puder literalmente começar esta noite, pensando em quem você conhece que te lembra dessas coisas que você pode começar a passar mais tempo, e a trocar mensagens. Pense que coisas você pode excluir do seu telefone, quais aplicativos sociais você pode simplesmente excluir, quais novos você pode adicionar. Assim é uma coisa prática que você faz, que é condicionar a sua consciência continuamente a estar alinhada com o que é mais real.”

A mensagem da Metacrise não se trata de um alarmismo vazio para assustar e vender alguma solução fácil. É um apelo a não nos deixarmos nos distrair e deslumbrar por aquilo que já estamos fazendo em nossas organizações e projetos. Por maior que seja a escala e as boas intenções dos que estamos inventando no campo da sustentabilidade e do impacto de hoje, ainda assim tem o efeito de um band-aid numa fratura exposta, e nem de longe endereçam os desafios das dinâmicas subjacentes aos problemas globais.

A Metacrise é um convite a não nos acomodarmos na busca por entendimento profundo e por soluções coletivas mais assertivas que ainda nem podemos conceber, é um imperativo de aprendizagem constante.

Da mesma forma que esse conceito entrou em cena em nosso modelo, nos últimos anos também têm surgido a grande importância da criação de comunidades regenerativas, como fator de sucesso, meio e fim de nossos projetos e programas, e que foi o tema que explorei em meu último texto.

Quando nos aprofundamos no desafio que é entender essas dinâmicas que geram o estado atual do mundo, inevitavelmente somos arremessados em uma espécie de crise existencial, e aí que entra a importância das comunidades, como um campo de segurança e desenvolvimento pessoal, como um tecido resiliente que põe em prática projetos pilotos em governança compartilhada e autogestão, que nutre ecossistemas de negócios que testam outras lógicas e outros mecanismos de incentivo, todos estes passos necessários, mas ainda não suficientes, para seguirmos juntos nessa jornada de descoberta.

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil