Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso convoca pessoas e empresas a repensarem o lugar desse sentimento na sociedade

Sete anos atrás, convidamos o filósofo Ken Wilber para um diálogo sobre o Brasil em um evento do Instituto Integral Brasil. Perguntamos a ele sobre o lema de Augusto Comte, que inspirou a nossa bandeira: “Amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”.

Ele faz uma interpretação maravilhosa, relacionando esses conceitos ao movimento evolutivo do universo. A ordem e progresso representando os aspectos complementares de estruturação e transgressão, que dançam no impulso “erótico” de conexão de partículas, átomos, moléculas, gasosas, planetas, vida, consciência. O impulso amoroso de criar uma unidade integrada, como uma “volta para a casa”.

Portanto, é sintomático que os militares que lideraram o golpe que deu origem à nossa república suprimiram a palavra amor da bandeira. Algumas versões dizem que eles não queriam passar a imagem de um movimento “afeminado”, destilando todo o preconceito que ainda perdura até hoje. Como perduram a violência e brutalidade em nossa sociedade. E a inequalidade, o preconceito racial, de gênero e religioso. Efeitos da ausência de amor.

Sem o amor, a ordem e progresso não dançam… se trombam sem sentido e direção.

Também é sintomático o descaso e cinismo como muitos respondem ao movimento que faz o apelo para a inclusão da palavra amor na bandeira. Lá atrás, o gesto simbólico de exclusão foi considerado importante. Hoje, o gesto no sentido contrário é achincalhado.

Além do gesto simbólico, eu me pergunto como seriam a sociedade e as organizações se o amor, e não o crescimento econômico, estivesse no centro das nossas intenções e decisões. Você já se perguntou isso?

Eu compartilho a visão de amor que Wilber nos brindou naquele dia, não apenas um sentimento, mas como uma energia subjacente a tudo o que, no fundo, queremos realizar na vida.

Um indicador está no estudo da dra. Ana Cláudia Arantes, especialista em cuidados paliativos, que aponta os maiores arrependimentos que as pessoas têm perto da morte. Trabalhar mais e lucrar mais não estão presentes na lista, mas é relevante o papel das relações, os afetos e o significado da vida.

Como nas palavras de Rubem Alves, perto da sua morte: “Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda, do que já tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. (…) Iria a mais lugares aonde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, seu eu pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos (…) Isso se tivesse outra vida pela frente, mas como sabem tenho 85 anos e estou morrendo”.

Por que então, resistimos tanto à importância do amor?

Por que amar significa afeto, significa ser “afetado” na relação com os demais, deixar-se ficar vulnerável… e tudo o que mais queremos, é tudo o que mais resistimos por medo de sofrer.

Perto da morte temos menos coisas a nos distrair, para nos proteger… o que nos dá a sabedoria do que realmente vale a pena na vida.

Mas não devemos confundir amor com apego, que é uma forma de preenchimento de nossas carências. Só passamos a viver realmente quando nos sentimos inteiros de verdade, e não projetamos nossas necessidades nos outros. Daí estamos prontos para servir.

Amar significa dar esse passo de abertura: eu sou amável, você é amável, o mundo é amável em sua imperfeição, nas suas tortuosidades, nos traumas e, sim, nas dores também. Em outra palestra de Wilber, ele nos diz que esse amor pleno e consciente “dói mais, mas nos aborrece menos”.
Que tenhamos coragem como pessoas, organizações e sociedade de colocar o amor no centro, um bom começo simbólico seria colocá-lo na nossa bandeira.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/como-seria-colocar-o-amor-no-centro-das-decisoes.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil