Por Marcelo Cardoso para o Valor

O colunista Marcelo Cardoso foge das comparações comuns que envolvem o esporte e as organizações e escreve sobre o impacto da atenção plena nos resultados

Eu sou um apaixonado por esportes e reconheço que, em uma Copa do Mundo, muitas referências banalizadas, com atletas, técnicos e equipes, são usadas extrapolando para o desempenho das organizações. Ao mesmo tempo, entendo que os esportes são terreno fértil para metáforas e referências para inspirar boas conversas e reflexões sobre o ambiente dos negócios e gestão, com todas as ressalvas das muitas diferenças entre uma realidade e outra.

No futebol, um time com excelente desempenho pode não ter o resultado desejado – o mesmo ocorre em organizações. E o contrário também vale, quando condições favoráveis, no campo de jogo ou no mercado, levam times e empresas medíocres a terem resultados.

Assim, este é um artigo sobre desempenho e não sobre resultado. Gostaria de explorar dois aspectos que vimos na Copa do Mundo e podem nos ajudar a aprofundar temas debatidos no desenvolvimento de lideranças e de equipes: o mindfullness e a gestão de energia para o desempenho, e a importância da ressonância em times.

O período pós pandemia tem sido rico na discussão sobre os ambientes híbridos e o impacto na produtividade. Mas, muitas vezes, vemos que a mentalidade que se usa para falar de produtividade ainda é baseada no paradigma mecanicista, que usa o tempo cronológico como principal parâmetro para desempenho.

Empresas com esse tipo de visão chegam ao ponto de controlar se as pessoas estão em frente ao monitor quando trabalham em home office!

Da mesma forma, no futebol há uma ênfase em automatizar comportamentos e habilidades através de treinos físicos que vão à exaustão. Essa mentalidade está presente não só nas equipes técnicas, mas também é cobrada pela mídia e torcedores.

“Na Copa, o fato de o técnico da seleção brasileira, Tite, abrir mão de levar um profissional de psicologia esportiva ou mindfulness na comissão técnica é sintomático… Um profissional desse tipo saberia preparar os atletas para atenção e presença plena durante uma partida”

Na Copa, o fato de o técnico da seleção brasileira, Tite, abrir mão de levar um profissional de psicologia esportiva ou mindfulness na comissão técnica é sintomático desse tipo de mentalidade. Um profissional desse tipo saberia preparar os atletas para atenção e presença plena durante uma partida, o que seria de grande importância, uma vez que era perceptível que alguns de nossos jogadores não estavam completamente presentes em campo em alguns momentos da competição.

George Mumford, especialista em mindfullness e performance, escreveu “The Mindfull Athlete”, contando a experiência nos vestiários do Chicago Bulls e Los Angeles Lakers com atletas como Michael Jordan e

Koby Briant praticando técnicas de atenção plena antes de jogos e treinos. Ele descreve como o desempenho dos atletas saltou ao incorporarem a prática, o que permitia que estivessem absolutamente presentes e com sincronia entre corpo e mente nos jogos. Como diz Eleen Langer, professora de mindfullness em Harvard, essa prática almeja que o indivíduo, atleta ou qualquer profissional, esteja presente momento a momento, como se a realidade estivesse emergindo como uma tela em branco esperando para ser tocada.

Quando olhamos os jogadores da nossa seleção na execução do hino nacional, vemos alguns fechando os olhos, como Thiago Silva, outros mascando goma de mascar, como Neymar. Ambos são comportamentos que tiram a atenção plena do momento presente e diminuem a conexão entre corpo e mente. Indicam que os atletas não foram preparados nem para essas simples dicas, muito menos para os fundamentos da atenção plena.

Voltando às organizações, no trabalho do desenvolvimento de lideranças é menos relevante o tempo cronológico do que o tempo psicológico. É muito mais importante o quanto de energia psíquica da pessoa está disponível para o seu papel na organização do que o tempo que ela está em frente de uma planilha.

A nossa energia estará mais ou menos disponível se dormirmos e nos alimentarmos bem, se estivermos em uma tarefa por vez (dica para não glorificarmos o conceito de multitarefa), se encontramos significado e se aprendemos com o que estamos fazendo. Quando essas condições são reforçadas pelas práticas de mindfullness, podemos ter um desempenho com o melhor da nossa energia psíquica.

Para falar da importância da ressonância em times, nos valemos da experiência da Força Especial da Marinha Americana, os Seals, que é descrita no livro “Roubando o Fogo”, de Steven Kotler e Jamie Wheal. No preparo desse time de operações, buscam-se as práticas que levam ao chamado estado de êxtase (do grego ékstasis, “sair fora de si”), o que significa a diluição das fronteiras entre o indivíduo e seus parceiros, em uma espécie de extensão da atenção plena entre os membros. Nesse estado, o grupo é capaz de articular de forma quase instintiva e imediata suas ações, e a atenção plena dos indivíduos se funde para a alta performance do grupo. Essa é uma condição que atletas de esportes coletivos experimentam vez ou outra.

Michael Gervais, profissional de mindfullness do Seatle Seawhaks, chama isso de “mentalidade de cauda” e, quando lembramos do último jogo do Brasil na Copa, foi isso que “se quebrou” no momento em que a seleção tomou o gol de empate da Croácia, com sua formação desintegrada entre ataque e defesa.

Nas organizações, muito tem se falado em segurança psicológica, que é uma condição necessária, mas não suficiente, para o desempenho excepcional de um time. Da mesma forma que um time de futebol bem entrosado ou o Navy Seals atuando em uma missão, podemos desenvolver a mentalidade de cauda em uma organização quando o todo do time torna-se maior que as individualidades. Quando a segurança psicológica habilita, os indivíduos oferecem suas perspectivas abrindo mão da necessidade egoísta de estarem certos o tempo todo, a serviço de uma tomada de decisão coletiva e que leva a desempenho e inovação.

Nos dois aspectos visto aqui, tanto nos esportes como nas organizações, a condição humana vem antes do desempenho e do resultado. Mais ainda, vimos que esses últimos dependem do cuidado das pessoas e das relações. Se lições como essas continuarem a ser refletidas e testadas pelas organizações, pela primeira vez em nossa história recente o conhecimento produzido nas ciências humanas e sociais começará a ser seriamente usado nos negócios, e a totalidade do ser humano e seu potencial encontrará um contexto adequado para produzir desempenho extraordinário para todos.