Por Marcelo Cardoso para Think Work Lab
Marcelo Cardoso escreve sobre o conceito da complexidade interna e como utilizá-la a seu favor, para a Today
Costumo falar muito de complexidade em meus artigos, podcast, workshops e em jornadas com clientes, e nesse texto gostaria de trazer um pouco da dimensão interna deste conceito, que é um negligenciado aliado da liderança para se relacionar com a complexidade do mundo.
Para ilustrar meu ponto, gostaria de relembrar do filme Spotlight (2015), que retrata um episódio verídico ocorrido no início dos anos 2000. Uma pequena equipe de jornalismo do Boston Globe, investigou e denunciou o que viria a ser um dos maiores escândalos de pedofilia na Igreja Católica.
O caso contou com um acobertamento sistemático de altos membros da instituição, que possuíam grande influência social e política na tradicional cidade de Boston. Esta investigação produziu uma série de reportagens que renderam a equipe o prestigiado prêmio Pulitzer de jornalismo.
O filme retrata todo o processo de pesquisa, as descobertas aterradoras, entrevistas com as testemunhas, a tensão e o abalo emocional entre os jornalistas; que no decorrer do trabalho sofreram boicote, intimidação e pressão por todos os lados.
Na obra, destaca-se o papel dos dois principais líderes daquela equipe: o editor investigativo Walter Robinson (Michael Keaton) e principalmente o recém-chegado editor chefe do jornal, Marty Baron (Liev Schreiber).
Quando falamos de uma boa liderança em circunstâncias complexas, a figura de Marty, representada no filme como um sujeito contido, de poucas e provocativas palavras, é um belo exemplar.
O que é marcante durante a história é que, mesmo diante de situações mais obscuras, voláteis e cheias de riscos, ele era capaz de manter a mente silenciosa e reflexiva.
Essa característica provocou no time perguntas que suspendiam as discussões para além das encruzilhadas vividas, permitindo que novos entendimentos surgissem, diminuindo a tensão e liberando o movimento do grupo em novas direções. Seu comportamento, além de apaziguador, era mobilizador.
Imagine agora o mesmo grupo numa situação como esta, sendo liderado por uma figura emocionalmente instável, reativa e obtusa. A chance do projeto se perder e não levar a bons resultados seria altíssima, com prejuízo quase certo para a saúde mental de todos os envolvidos.
O livro “Unleash Your Complexity Genius – Growing Your Inner Capacity to Lead”, de Carolyn Coughlin e Jennifer Garvey Berger, trata deste assunto.
As autoras demonstram que a complexidade não está apenas do lado de fora. Na verdade, muitas vezes, ficamos tentando reagir o tempo todo aos fatores externos que a causam, como a economia, o mercado, a concorrência, o meio ambiente e a política.
E assim, ignoramos toda a complexidade intrínseca e a nossa capacidade de modelar nossas respostas internas para lidar com o caos ao nosso redor, postura que permitiria caminhos melhores e mais criativos.
A obra oferece dicas e práticas que nos ajudam a entender melhor as estratégias para gerenciarmos a complexidade da sociedade moderna, mas principalmente, explorar o nosso próprio sistema nervoso para redefinir as nossas experiências emocionais, aumentando nossa capacidade de se relacionar e se conectar mais profundamente com os outros, reduzindo a ansiedade e a exaustão no processo.
A nossa complexidade interna possui inúmeras camadas e aspectos. Se formos falar apenas do aspecto fisiológico, estamos falando do nosso sistema nervoso que tem como base o nosso cérebro reptiliano – a nossa parte responsável por sensações e reações instintivas.
Ele se comunica com o nosso cérebro límbico – responsável pelo processamento emocional – que finalmente se relaciona com o nosso neocórtex, que produz mais de 60 mil tipos de sentimentos, e forma nossos pensamentos, crenças e valores.
Este sistema todo se autorregula (ou se desregula) em ciclos alternados do sistema simpático – que nos ativa para reagir a um estímulo – e o parassimpático – que acalma nosso corpo, permitindo descanso e assimilação.
A nossa auto regulação fisiológica é essencial para nos manter dentro de uma faixa saudável entre o relaxamento e a ativação. Esse é o nível de estresse saudável para o nosso desempenho em nossas atividades regulares.
Se formos com muita frequência para um polo de excesso de relaxamento, entramos num estado de tédio ou inércia que nos imobiliza. Se, por outro lado, nos colocarmos no extremo de estresse com muita frequência, podemos entrar em colapso nervoso, com esgotamento físico e mental.
A grande questão é que cada vez mais somos afetados por uma carga excessiva de complexidade em nossas vidas pessoais e profissionais. Isso nos leva a ativar nossos impulsos instintivos de “luta ou fuga” com uma frequência cada vez maior, afetando a nossa saúde e nosso desempenho como líderes. Como lidar com isso?
Por esta razão, é fundamental entendermos a nossa complexidade interna para promovermos em nós uma verdadeira evolução intencional, cultivando maturidade cognitiva e inteligência emocional como recursos-chave no exercício da liderança.
Conforme diz Robert Kegan, pesquisador em Desenvolvimento de Adultos em Harvard, “funcionar com sucesso em uma sociedade com diversos valores, tradições e estilos de vida exige que tenhamos um relacionamento com nossas próprias reações, em vez de sermos cativos delas. Resistir às nossas tendências de considerar certo ou verdadeiro, o que é meramente familiar, e errado ou falso, o que é apenas estranho.”
Se desenvolvermos essas capacidades, como Marty Baron em Spotlight, agiremos informados (e não dominados) por nossas crenças, pensamentos e emoções de uma forma consciente e reflexiva. Isso possibilita que nossas equipes sejam beneficiadas na mesma proporção, habilitando assim a emergência da inteligência coletiva do grupo, em favor do cumprimento do propósito compartilhado pelo grupo diante deste mundo em ebulição.
Venha com a gente