Por Marcelo Cardoso

Marcelo Cardoso aborda a complexidade da implementação de políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão em organizações, buscando o equilíbrio em um mundo polarizado

Vivemos em um planeta e em um país marcados por extensos históricos de opressão e injustiça, sobretudo de ordem étnica e de gênero. Portanto, é impossível dissociar a trajetória de desenvolvimento e progresso da sociedade dos abusos, violência e dominação cometidos contra populações inteiras, fenômenos que ainda acontecem ou repercutem nos dias atuais.

São dois lados da mesma moeda e a dívida histórica e psíquica que carregamos com essas pessoas e seus descendentes é incalculável.

Esse contexto inegável fomenta a pauta que está no centro do debate em toda parte, por meio das bandeiras da Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), também chamada de agenda Woke. Essa agenda ganhou força a partir da década passada, impulsionada por movimentos coletivos como o Black Lives Matter e o Me Too. Neste tópico, recomendo o podcast Projeto Querino e algumas conversas que tive com pessoas como Preto Zezé, Marina Helou, João Paulo Almeida e Ubiraci Pataxó.

É importante enfatizar essa posição antes de trazer a reflexão deste artigo, que traz complexidades, nuances, sutilezas, e ilumina sombras. Esses aspectos não só geram desafios para gestores na implementação de qualquer política ou ação de DEI, como também geram “tendões de Aquiles” que enfraquecem essas importantes bandeiras e jogam contra o sucesso das próprias causas.

O que desejo é que os gestores tenham sucesso em suas implementações, que estas sejam frutíferas para suas organizações e causem o impacto positivo esperado. Também espero que os ativistas das causas criem antídotos contra eventuais fraquezas e consigam ir em frente de modo sustentável e resiliente, capazes de neutralizar agendas contrárias a sua mais genuína intenção, incluindo e transcendendo contribuições de perspectivas válidas aos seus interesses que podem estar sendo negligenciadas.

A implementação de uma agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão em uma organização é, por si só, um ato de coragem em um campo minado de complexidades. Há o baixo conhecimento e conscientização que comumente se refletem em uma cultura organizacional refratária e cínica ao tema.

Por outro lado, existem os desafios de ordem pragmática, legal e oriundos da própria dificuldade de operação. Além disso, há os casos, normalmente isolados, mas barulhentos, dos abusos e entrincheiramentos de pessoas que se aproveitam das próprias causas, criando situações difíceis e, por vezes, injustas.

Lembro-me, por exemplo, de quando eu estava na Natura, onde havia uma política que priorizava a realocação interna de cargos, ao invés de buscar novos colaboradores no mercado.

Essa política visava criar oportunidades de promoção para pessoas que trabalhavam na fábrica para cargos de gestão. No entanto, a prática gerava um impasse cruel: muitos desses colaboradores se esforçavam para obter uma melhor qualificação, dedicando parte de seus ganhos e tempo para ingressar no ensino superior. Porém, mesmo depois de formados, muitos deles, ao serem considerados para os cargos de gestão, possuíam deficiências profundas de qualificação.

Isso se dava, em parte, por causa da própria qualidade do ensino, mas, principalmente, por conta de sua origens pobres, da má formação de base, da desnutrição infantil e de seus lares problemáticos. Os gestores responsáveis pela vaga se viam em um dilema que opunha a intenção inclusiva aos interesses da organização em termos de resultado e qualidade.

Outra situação comum ocorre quando há um esforço para criar uma equipe diversa do ponto de vista meramente social. No entanto, esse grupo não consegue funcionar em conjunto como um time, seja pela incapacidade de criar vínculos e de abrir mão de suas perspectivas particulares em torno da criação de consensos, seja porque, do ponto de vista cognitivo/interior, não existe diversidade suficiente de perspectivas que diferem e se complementam para produzir inovação e inteligência coletiva.

Alguns gestores já devem ter se deparado com situações assim, ou em outras. Por exemplo, histórias extremas que circulam nos bastidores, quando um colaborador que foi demitido por justa causa – por exemplo, por abuso ou fraude – posteriormente acusa a organização de perseguição devido à sua orientação sexual ou cor de pele.

No outro extremo, há casos em que algum chefe faz piadas ofensivas e grosseiras contra mulheres, negros ou gays em uma reunião fechada, geralmente para desqualificar alguma das bandeiras Woke, em meio ao silêncio constrangedor daqueles que não se sentem seguros para enfrentar sua autoridade.

Há muitas pressões da sociedade, às vezes de forma ostensiva, seja a favor ou contra as bandeiras, exigindo que a organização se posicione publicamente de forma rápida, com o risco de um cancelamento, às vezes exagerado, com impacto contra a sua reputação.

Esses são todos exemplos do tipo de desafio que os gestores enfrentam ao lidar com esses temas, e o que tem gerado consequências negativas para as organizações e também para as causas. Um exemplo disso é o recente abandono do fundo de investimento BlackRock dos fundos de ESG, após anos de apoio – uma perda considerável para essas pautas.

O elemento comum nas histórias que compartilhei é a polarização extrema. Esta polarização não apenas divide opiniões, mas também faz com que seus defensores se refugiem nos extremos, onde cada lado oposto não reconhece e não dialoga com o outro. No contexto de DEI, a gestão das polaridades é inevitável e essencial para evitar que a cultura organizacional seja arrastada para o extremismo.

Recentemente, Keith Martin-Smith publicou um podcast e um artigo no portal Integral Life, onde ele explora sete diferentes polaridades que precisam ser gerenciadas para alcançar um equilíbrio dinâmico em torno do tema. O objetivo é permitir que a sociedade e as organizações abordem suas agendas sem cair nessas oposições prejudiciais.

As polaridades são as seguintes:

Universalismo & Contextualismo: incorpora o equilíbrio essencial entre a aplicação de princípios universais de justiça e equidade e o reconhecimento dos fatores contextuais únicos que influenciam o privilégio e a opressão em vários ambientes. Sem essa avaliação criteriosa, perdemos as nuances e caímos na armadilha dos Pontos de Vistas Simplistas sobre Privilégio.

Diversidade & Unidade: abrange a interação dinâmica entre a riqueza e a variedade de experiências, perspectivas e identidades humanas (Diversidade) e o senso de unidade, comunhão e propósito compartilhado (Unidade). Sem essa interação, caímos na armadilha de Visões Limitadas de Diversidade.

Inclusão & Exclusão: essa é uma dinâmica central no desenvolvimento e funcionamento das comunidades saudáveis. Navega no delicado equilíbrio entre abraçar uma diversidade de perspectivas e manter um certo padrão de discurso baseado na experiência e na adequação, evitando que a intolerância corroa o coletivo. Sem esse equilíbrio, a própria DEI pode tornar-se Intolerante.

Arbítrio Pessoal & Circunstâncias Externas: gera uma dinâmica crucial na compreensão do comportamento humano e da dinâmica social. Envolve equilibrar o reconhecimento das escolhas e ações individuais (Arbítrio Pessoal) com o reconhecimento do impacto das circunstâncias externas e dos fatores sistêmicos (Circunstâncias Externas) na vida das pessoas. Sem a gestão dessa polaridade corre-se o risco de se ter Ênfase exagerada na Opressão e no Poder.

Igualdade de Resultados & Oportunidades: representa uma polaridade vital na estruturação social e no desenvolvimento individual. Na sua essência, esta polaridade resume a tensão entre garantir uma distribuição equitativa de recursos e resultados para todos e fornecer um ponto de partida igual para todos. Sem esse balanço, podemos cair na armadilha das Políticas e Decisões Injustas e Desbalanceadas.

Identidade Pessoal & Identidade de Grupo: são um aspecto crucial para a compreensão da individualidade e da dinâmica social. Centra-se em equilibrar o reconhecimento de identidades baseadas em grupo, como raça, gênero ou cultura (Identidade de Grupo), com o reconhecimento e apreciação das características, experiências e narrativas únicas de cada indivíduo (Identidade Pessoal). Sem isso podemos decair em Identidades Sectárias Hostis.

Consenso & Debate: reflete uma dinâmica fundamental nos processos de tomada de decisão e comunicação. É crucial compreender como os grupos podem navegar eficazmente pelas diferenças para chegar a decisões. Sem essa dinâmica, a armadilha é decair na Supressão da Opiniões Diversas e Imposição da Causa.

A gestão adequada dessas polaridades é essencial para que as organizações consigam navegar e gerenciar suas iniciativas em DEI, sem precisar de esquivar ou incorrer em sérios deslizes, seja na defesa seja na oposição a essas pautas.

Existem várias maneiras de abordar esses pontos, incluindo a formação de lideranças, projetos de cultura e gestão, e a implementação de mecanismos e indicadores que monitoram a maneira como líderes e equipes dialogam em alto nível.

É importante considerar amplamente as questões, evitar pontos cegos e tomar decisões bem fundamentadas e cuidadosas. Com isso, é provável que geremos impactos positivos, não apenas nestes temas, mas também nos interesses da organização e na maturidade de sua cultura.

Link para o artigo original: https://thinkworklab.com/artigos/equilibrio-nas-pautas-de-diversidade/

Executivo com mais de 25 anos de experiência, tendo ocupado diversas posições em companhias de variados segmentos e países. É fundador e integrador da Chie.