Por Marcelo Cardoso
O colunista Marcelo Cardoso desce mais uma camada na discussão sobre o “lugar” da mulher e aborda características necessárias às empresas para ter uma cultura ambidestra.
Mais uma vez, o tema das mulheres em posições de poder entra em cena envolto em polêmicas e declarações infelizes que demonstram quão arraigada está a crença de que o papel de liderança nas organizações naturalmente deveria ser atribuído aos homens. Mas tirando da frente a constatação óbvia que é fundamental ter as mulheres, não só em posições de poder, mas em qualquer outro lugar que elas queiram ocupar, sinto que estamos perdendo a oportunidade de debater dois pontos importantes implícitos nessa polêmica das CEOs mulheres. O primeiro diz respeito aos modelos organizacionais hierárquicos que insistem na lógica de empilhar pessoas em uma cadeia de comando, afunilando as decisões e as responsabilidades em uma pessoa; seja presidente ou CEO ou seus derivados do chamado C-level. Eu cada vez mais acredito em modelos de liderança compartilhada e distribuída.
Para além do embate entre CEOs homens X CEOs mulheres, deveríamos falar em como criar CEOs coletivos baseados em autogestão, como círculos de pessoas em diferentes papéis que, juntas, sustentam as atribuições que hoje estão concentradas nesses poucos cargos individualizados. Modelos assim ampliam radicalmente a diversidade cognitiva, pois consideram mais perspectivas distintas sobre a realidade e fortalecem a antifragilidade do sistema perante a complexidade exponencial dos contextos em que a organização opera.
O segundo ponto é que, para as organizações sustentarem modelos de gestão assim horizontalizados – com liderança compartilhada e distribuída, elas precisam de um tipo de cultura que abrace a diversidade, que seja capaz de equilibrar dinamicamente valores associados ao caráter masculino e aqueles valores associados ao caráter feminino. Seriam as organizações que, ao mesmo tempo, se orientam por metas, objetivos e processos, sem deixar de ser cuidadosas com as pessoas e a natureza, afetivas, sensíveis, abertas à aprendizagem e à fluidez. Neste ponto, para sustentar essas duas polaridades, acho que as mulheres têm um papel essencial, pois sem a participação efetiva delas nessa construção, será impossível transpor essa premissa que as organizações precisam ser necessariamente ambientes masculinizados, duros, brutos e calculistas, feitos para gente “cascuda”. Talvez seja uma grande questão: ter mais mulheres ocupando posições de poder seria o suficiente para transformar o contexto das organizações para esse tipo de cultura ambidestra e para esse tipo de modelo de liderança coletiva, ou se elas meramente seriam absorvidas pelo status quo sem serem capazes de influenciar a sua transformação? Eu acredito muito que essa mudança no paradigma possa acontecer uma presença feminina cada vez maior na liderança, e para isso podemos nos inspirar em outras cosmovisões para implementar protótipos que semeiem um novo modo de operar, além do cabresto absolutista do Ebitda. Como inspiração, recomendo o livro “O reino das mulheres”, um relato de viagem do médico e jornalista Ricardo Coler ao povoado Mosuo nas montanhas da China, uma comunidade de cosmovisão matrilinear que oferece modos completamente distintos da nosso de organização social: seus papéis sociais, o trabalho, a política, e as relações familiares. Falando em mulheres, não poderia deixar de recomendar o recente vídeo da Ana Paula Padrão, que viralizou nas redes sociais, com base no livro “Mulheres Invisíveis”, de Caroline Criado Perez. Ela nos dá uma boa ideia do impacto do modelo patriarcal e o quanto é vital a contribuição da perspectiva feminina nas organizações e sociedade. Precisamos ouvir mais as mulheres! Agora, dois conselhos para os homens da liderança: vamos nos dedicar ao trabalho de autodesenvolvimento para integrar melhor em nós os aspectos femininos; e vamos juntos, homens e mulheres, sustentando as energias masculinas e femininas, encontrar novas formas de liderar e decidir.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/alem-da-ceo-precisamos-de-organizacoes-mais-femininas.ghtml
Venha com a gente