Por Marcelo Cardoso
O colunista Marcelo Cardoso desce mais uma camada na discussão sobre o “lugar” da mulher e aborda características necessárias às empresas para ter uma cultura ambidestra.
O plano de carreira é um artefato que nasceu nas organizações modernas do pós- guerra, que absorveram a visão mecânica da linha de produção e a reproduziram em todas as áreas das empresas, incluindo nos recursos humanos. Num mundo relativamente estável e numa época de expansão econômica, esse conceito fez muito sentido e deu muitos resultados para ambas as partes.
Era um contrato psicológico em que as pessoas ofereciam fidelidade e resultados e recebiam estabilidade e um plano de carreira já claro com aumento progressivo de responsabilidades, cargo e poder, salários e benefícios.
Mas o mundo e o trabalho já não são mais os mesmos atualmente. A linearidade e a estabilidade foram substituídas pela complexidade e a gestão dinâmica. Neste novo mundo, nem as organizações nem as pessoas podem ter a pretensão de crescerem como “versões ampliadas da mesma coisa”. Tudo muda constantemente, inclusive os planos, então a ideia de carreira perdeu o sentido e em grande parte é razão dos sintomas indesejados da atualidade, do desengajamento ao esgotamento.
Porém, sem os trilhos teoricamente controláveis e certos, o que podemos colocar no lugar? Parece incrível, mas ainda hoje gestores e jovens executivos ainda insistem nessa ideia antiquada, muitos deles demandando seus empregadores, exigindo clareza da progressão em seus cargos, na realidade gerando uma grande incoerência geracional de uma geração que ressignifica o trabalho e exige as ferramentas do século XX.
Essa expectativa sem dúvida baseia-se em necessidades legítimas, mas depositadas no lugar errado. O pesquisador em Ciências Cognitivas da Universidade de Toronto, John Vervaeke, diz que a vida com significado pressupõe quatro aspectos, a grosso modo: propósito, coerência, evolução e estados de fluxo.
O pedido pelo plano de carreira se remete a dois destes aspectos: ter a clareza das regras do contexto (coerência), e perceber-se em aprendizagem e desenvolvimento (evolução).
Na falta de clareza de novos modelos de aprendizagem, as empresas continuam insistindo em dar este “trilho” tão desejado do plano de carreira, que vira um
artefato dinossáurico que produz mais burocracia e sofrimento, diminuindo as possibilidades de execução e experimentação. Mesmo quando tentam inovar, ludificando missões e recompensas, as organizações estão apenas dando uma cara nova às velhas concepções de trabalho, que hoje soam infantilizadoras, que menosprezam a capacidade das pessoas de atuarem de forma mais madura.
A minha hipótese é que as pessoas ainda projetam inconscientemente a responsabilidade nas organizações e pessoas para dizerem o que elas precisam
fazer para crescer, esperando uma previsibilidade vindo de “fora”. Mas o caminho possível é para dentro, para o autoconhecimento que revela o propósito pessoal e para o desenvolvimento pessoal, que faz evoluir na direção dele. Cada um se apropriando do seu trajeto, do seu tempo e sua evolução, como uma aventura do trabalho em que as organizações podem ser parceiras aliadas.
Falando em lúdico, os jogos podem sim ser uma boa metáfora para essa nova geração. Esperem menos que as organizações sejam aquele tipo de jogo linear, em
que os jogadores vão enfrentando os desafios e missões que são colocadas em sua frente, com recompensas em pontos e “níveis” determinados; esperem mais que as organizações sejam como aqueles jogos de “mundo aberto”, em que o jogador tem autonomia para se aventurar por toda parte, engajando nas possibilidades de missões e narrativas conforme seu interesse, que resultam em aprendizagem para o próprio jogador evoluir como quiser, inclusive mudando completamente seus planos.
Neste mundo pós carreira, as organizações precisam se colocar como espaços em que esse aprendizado pode acontecer, permitindo a autonomia e o amadurecimento das pessoas, com base no significado compartilhado daquilo que estão tentando ofertar – pessoas e organização – para o mundo.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/alem-da-ceo-precisamos-de-organizacoes-mais-femininas.ghtml
Venha com a gente