Por Marcelo Cardoso
Para o colunista Marcelo Cardoso, as empresas deveriam se perguntar por que seus ambientes estão produzindo doenças e desequilíbrios psicoemocionais ao invés de satisfação e qualidade de vida
A cada nova edição dos jogos olímpicos vemos reaparecer com mais força o tema da saúde mental e do equilíbrio psicoemocional nos desafios esportivos. Atletas de elite como Simone Biles, Rebeca Andrade e Rayssa Leal ressaltaram o papel da terapia em suas preparações, reforçando que os desempenhos físico, emocional e mental estão interligados.
Considero muito positiva essa exposição pública para a importância dos cuidados psicológicos para a vida e carreira. Especialmente em um país como o Brasil, que bate recordes de distúrbios da mente, qualquer publicidade que inspire as pessoas a buscarem ajuda e cuidados especializados é algo para se comemorar.
Creio que a pandemia foi um divisor de águas que colocou em evidência a crise de saúde mental, que tem crescido de forma alarmante em casos de estresse, depressão, ansiedade, esgotamento, compulsões por substâncias ou por jogos de azar. O tema ganhou força tanto na sociedade como na agenda das organizações.
Vemos proliferar iniciativas como campanhas de conscientização, o uso de aplicativos de meditação e outros benefícios do tipo. Se há 50 anos atrás houve uma espécie de revolução em favor da saúde organizacional, com a ergonomia e prevenção de acidentes, que efetivamente reduziu drasticamente a mortalidade e afastamentos por invalidez nas organizações, temos que incentivar a intenção em favor da saúde mental que está surgindo no mundo do trabalho.
Porém, a saúde física é relativamente mais simples de se tratar do que a saúde mental, que envolve nuances e complexidades, com grande variedade de aspectos sistêmicos, que colocam em xeque o próprio modus operandi das organizações e a mentalidade que sustenta os seus mecanismos de incentivo.
Como dizia o pensador J. Krishnamurti, “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”, e isso vale para as organizações também. Se as organizações não se perguntarem em que medida elas próprias são mentalmente doentes, irão tratar estes temas delicados com leviandade, o que pode tornar as suas iniciativas ineficazes, ou pior, causar ainda mais danos.
Em primeiro lugar, as organizações deveriam se perguntar por que seus ambientes estão produzindo doenças e desequilíbrios psicoemocionais ao invés de satisfação e qualidade de vida. Sendo o trabalho e o exercício do propósito algo inerente e vital para as pessoas, algo de muito errado acontece quando nos organizamos em uma estrutura formal, transformando pessoas em “engrenagens”. Temos visto organizações causando externalidades não somente ambientais, mas também sociais e psicológicas. As crises das mudanças climáticas, de saúde mental e de desigualdade social andam juntas e se interconectam, com o patrocínio das empresas.
Além do aspecto informativo e preventivo, as iniciativas de promoção de saúde mental deveriam ter uma abordagem integral, que considere a inteligência
emocional e autorregulação; a qualidade de sono, alimentação e descanso; as práticas meditativas; a questão do pertencimento, solidão e a segurança psicológica; a promoção da vida com significado; e o endereçamento responsável das questões terapêuticas, como é o caso de traumas. Essencial também considerar a qualidade dos ambientes de trabalho, e o papel do estresse financeiro, que envolve a revisão de remuneração e os mecanismos de incentivo predatórios, como as bonificações por metas individuais.
Sobretudo, as organizações devem fazer tudo isso com muito respeito à dignidade humana e intenção genuína de promover bem-estar e impacto positivo em primeiro lugar. Ninguém se beneficia e se engaja quando fica evidente que estão lhe oferecendo alguma “solução” para mascarar alguma forma de abuso financeiro, moral e psíquico.
Acredito que somente teremos alguma chance de prosperar verdadeiramente como sociedade quando a saúde mental e o desenvolvimento psicoemocional forem levados a sério. Deveria ser tema central na saúde pública e objetivo real de impacto para as organizações.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/integrando-o-masculino-e-o-feminino-nas-empresas.ghtml
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