Por Marcelo Cardoso
O colunista Marcelo Cardoso escreve sobre a importância de parar de buscar protagonismo épico e trabalhar com o possível – com humildade, presença e inteireza.
Duas semanas atrás, após uma palestra, uma amiga com quem compartilho quase 20 anos de jornada profissional me disse: “Te achei muito pessimista.
O comentário me atravessou. Desde então, essa pergunta me acompanha: Qual é o lugar do otimismo e o do pessimismo quando se procura estar lúcido diante do que vivemos como humanidade? Viktor Frankl oferece uma pista preciosa: “O otimismo não é a convicção de que tudo vai dar certo, mas a certeza de que vale a pena fazer, mesmo que não dê.
Vivemos imersos na ilusão de que compreendemos a realidade – mas o que chamamos de “realidade” é apenas um recorte, moldado por sentidos limitados e por estruturas cerebrais feitas para simplificar, não para revelar a verdade.
Nosso cérebro não busca precisão, busca sobrevivência. Ele interpreta, distorce, preenche lacunas. A realidade que experimentamos é sempre parcial – mediada por memórias, emoções e crenças.
Manter sobriedade e lucidez diante disso é um dos maiores desafios do nosso tempo. Antes de qualquer diagnóstico organizacional ou social, é preciso reconhecer: vemos o mundo não como ele é, mas como conseguimos suportá-lo.
Uma parte minha, animada desde muito cedo com a ideia de um mundo mais justo, inclusivo e sustentável, se pergunta se não fomos todos abduzidos por uma distorção.
O ceticismo me cutuca: talvez nada disso vá acontecer. Talvez sejamos só ondas quebrando na areia, enquanto líderes autocráticos se revezam no poder e a esperança se dilui.
Mas outra parte – mais silenciosa e resiliente – ainda percebe beleza no instante. Ela me lembra que, mesmo quando o plano maior parece falhar, algo se move: na escuta, no encontro, na presença viva.
Por anos, minha bússola foi clara: contribuir para organizações mais conscientes.
Mas olhando para o estado do mundo – colapsos ambientais, crises institucionais, esgotamento coletivo – é impossível não admitir: na escala macro, meu propósito fracassou.
E, paradoxalmente, foi esse propósito “fracassado” que me moveu, transformou e conectou a contextos de potência real.
Aqui emerge um aprendizado: o efeito colateral das nossas ações pode ser mais importante do que a intenção que as originou.
Nos apegamos tanto à ideia de um propósito nobre e bem-sucedido que esquecemos de olhar para o impacto real – muitas vezes invisível, mas profundo.
Essa expectativa de sucesso está ligada à lógica da Jornada do Herói.
Crescemos esperando o salvador: o CEO visionário, o consultor genial, o líder transformador. Ou, pior, tentando ser essa figura. Mas talvez não haja um final redentor. Talvez o ciclo seja outro.
O mundo não precisa de heróis. Precisa de comunidades maduras, capazes de sustentar o paradoxo, reconhecer seus monstros internos e agir com responsabilidade – mesmo sem garantias.
Exercitar o propósito a partir da aceitação do fracasso é um processo de reconciliação com a sombra.
É parar de buscar protagonismo épico e trabalhar com o possível – com humildade, presença e inteireza.
Como diz Bayo Akomolafe: “Quando você encontrar o monstro, unja seus pés.
Que possamos lembrar que a verdadeira ação nasce não da pressa de resolver, mas da presença que sustenta o que é.
A pergunta que fica: O que assusta mais? O que expande? Qual é o caminho que, mesmo sem garantia, ainda assim pulsa?
Quando encontrarmos o monstro, que não o enfrentemos com espada.
Que toquemos sua pele com mãos vazias, olhos atentos, coração rendido.
Pois talvez o verdadeiro propósito não seja vencer o monstro, mas sentar ao seu lado, aprender sua linguagem e seguir dançando, juntos, no centro do paradoxo.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/gestao-de-negocios-e-bagunca.ghtml
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