Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso comenta sobre os desafios das pautas de diversidade e sustentabilidade e o emergente conceito das organizações metamodernas para lidar com esse cenário.

Nos acostumamos a pensar a gestão como sinônimo de ordem. Por décadas, organizações foram tratadas como máquinas: ambientes previsíveis e lineares, onde cada parte funcionaria com precisão se bem planejada e controlada. A gestão, nesse. modelo, era o ofício de controlar, planejar e corrigir – uma prática racional, estruturada e quase mecânica, concebida para resolver os desafios de produtividade presentes no começo do século passado.

Em todo início de trabalho com clientes, é comum ouvirmos que os principais problemas são a “falta de clareza de papéis e responsabilidades” e a “falta de

comunicação”. No fundo, o que as pessoas estão dizendo é: me digam o que fazer. Essa expectativa está atravessada por um conjunto de armadilhas mentais descritas por Jennifer Garvey Berger – como a do controle, da simplicidade, da certeza, do ego e da história única. Todas estão presentes, atuando silenciosamente nas escolhas organizacionais.

Eu mesmo fui formado dentro dessa lógica. Quando assumi a presidência do Hopi Hari, levei a Falconi, empresa de consultoria, para implementar o PDCA (Plan, Do, Check, Act) como se fosse uma cartilha de salvação. Acreditava que um ciclo bem estruturado de planejamento, execução e controle bastaria para resolver os problemas do parque. Mas a realidade era teimosa – e muito mais complexa do que qualquer metodologia era capaz de conter.

Foi apenas anos depois, já na Natura – onde o valor emergia das relações, da força simbólica da marca e da coerência cultural – que comecei a compreender que organizações não são máquinas. São sistemas complexos, formados por pessoas, narrativas, tecnologias, estruturas, símbolos e processos entrelaçados. Tudo se influencia mutuamente, num campo dinâmico e imprevisível. O papel da gestão, então, passa a ser o de dar coerência ao emaranhado.

Gestão – de verdade – é bagunça. Mas não no sentido pejorativo da desorganização. É bagunça como campo de tensões criativas entre presente e futuro. Cada decisão nasce do atrito entre o que é e o que pode ser. A bagunça é o lugar onde essa tensão pulsa – e onde, se bem escutada, pode emergir clareza genuína.

Essa tensão se expressa em três dimensões: na subjetiva, onde habitam emoções, crenças, identidades e os significados que as pessoas atribuem às suas experiências; na relacional, que se manifesta no espaço intersubjetivo e exige confiança para que a diversidade cognitiva possa, de fato, estar disponível; e na sistêmica, onde processos, estruturas e artefatos funcionam como um chassi que sustenta – ou obstrui – o fluxo dinâmico da energia coletiva.

Essas dimensões estão entrelaçadas – mas na prática, costumamos fazer musculação de um braço só: gerimos objetivamente os sistemas, enquanto negligenciamos o subjetivo e o relacional. Isso gera desequilíbrio, incoerência e, em muitos casos, sofrimento. Às vezes, tanta distorção se acumula, que o sistema entra em colapso. Chamo isso de esquizofrenia organizacional – quando os discursos não se encontram com as práticas, e a energia das pessoas se fragmenta.

Nas organizações complexas, os resultados não vêm de fórmulas. Eles emergem dos fluxos simultâneos de valor ao cliente, do dinheiro e dos recursos físicos, todos invisível, mas vital – é o que torna possível a criação, a entrega e a renovação do valor.

Da mesma forma que uma casa viva tem coisas espalhadas que revelam o uso, o afeto e o cotidiano de quem habita, ou que uma escola vibrante pulsa com sons, movimentos e desordens criativas, os arranjos coletivos que produzem valor também precisam acolher a bagunça. A confusão carrega a energia da experimentação, da colaboração real, da inovação que não nasce do controle, mas. do encontro imprevisível entre diferenças. Talvez devêssemos inclusive repensar o próprio termo organização – enraizado na ideia de ordem, rigidez e permanência. Que nome daríamos aos sistemas vivos, transitórios e plurais que serão capazes de gerar valor numa sociedade emergente? Ainda não sabemos. Mas saber habitar a bagunça pode ser o primeiro passo para descobri-lo.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/gestao-de-negocios-e-bagunca.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil