Por Marcelo Cardoso
O colunista Marcelo Cardoso comenta sobre os desafios das pautas de diversidade e sustentabilidade e o emergente conceito das organizações metamodernas para lidar com esse cenário.
Em um mundo que exige respostas rápidas e produtividade incessante, talvez o mais revolucionário seja reaprender a sentir.
Em 2013, ainda como executivo da Natura, participei de um laboratório com o Presencing Institute, conduzido por Otto Scharmer, do MIT. Cinquenta lideranças de diferentes setores e países refletiam sobre uma pergunta provocadora: é possível sustentar o desenvolvimento da sociedade sem depender do crescimento econômico?
Durante o processo, visitamos o Butão e estudamos seu índice de Felicidade Interna Bruta. No encerramento, metade do grupo defendia que tudo pode – e deve – ser medido. Eu estava na outra metade: a que acredita que há dimensões humanas que escapam aos instrumentos de mensuração.
Somos atravessados pelas tramas invisíveis da vida que acontecem enquanto trabalhamos. Nos apaixonamos por colegas, perdemos entes queridos, adoecemos, celebramos, erramos e crescemos. E dessa bagunça – viva, relacional, afetiva – emerge o resultado real das organizações. Por isso, após mais de duas décadas dedicadas à consciência em indivíduos e empresas, reconheço: os frutos mais profundos desse trabalho raramente cabem em gráficos. Quando mensurados com as métricas convencionais, são até confundidos com fracasso.
· As escolhas e o tipo de ancestrais que queremos ser
· É preciso ir além e não retroceder
· Sobriedade em tempos de felicidade
Nos últimos tempos, senti essa tensão com mais força. Entrei em mais uma rodada de perguntas sobre o propósito. O que ainda preciso entregar? Como continuar contribuindo? Para onde direcionar minha energia nos próximos anos?
Foi assim que me vi em um retiro com trinta homens na Flórida, guiado por David Deida, mestre que me acompanha há décadas. Dividi com ele essas dúvidas. Sua resposta foi simples e direta: “Você ainda não está pronto para morrer completo. Ainda tem o que servir. Mas, na dúvida, escolha pelos afetos.”
Escolha estar com quem você ama. Escolha o que te toca. Escolha aquilo que faz o seu coração vibrar – porque, no fim da vida, serão essas pessoas que estarão com você. E são essas conexões que darão sentido ao que fomos e ao que deixamos.
No mundo dos negócios, fomos educados a ver o afeto como algo frágil, fora de lugar. Frases como “negócios à parte” ainda moldam culturas que associam emoção à ineficiência. Mas talvez a maior força esteja justamente em reconhecer que o sentir é a base do agir consciente.
A neurociência confirma o que o corpo já sabe. O afeto orienta a atenção, alimenta a criatividade, fortalece a memória. Antonio Damasio mostrou que não há decisão racional dissociada da emoção – o afeto serve como um marcador somático que nos guia. Mary Helen Immordino-Yang afirma: aprendemos mais e melhor quando algo nos afeta. Joseph LeDoux, da NYU, revelou que experiências emocionalmente significativas são mais facilmente fixadas no cérebro.
As pessoas não se engajam por metas frias. Elas se conectam com histórias. Com vínculos. Com o que faz sentido.
Nilton Bonder, mestre e amigo, me ensinou que o afeto nos tira da sobrevivência e nos devolve ao viver. “Somos o afeto apreciado” , diz ele. É na apreciação do sentir que emerge um eu mais presente, desperto e inteiro.
Quantas memórias marcantes você guarda de reuniões cheias de tabelas? E quantas daquelas conversas inesperadas, de um gesto de escuta, de um elogio sincero em dia difícil?
Estamos atravessando um tempo de rupturas – tecnológicas, climáticas, emocionais. Vivemos uma epidemia de doenças mentais. E uma tentativa desesperada de extrair. Talvez o essencial agora seja isso: ancorar-nos no afeto. Nutrir espaços onde possamos ser inteiros, errar, crescer e nos cuidar. Criar ilhas de sobriedade, presença e humanidade nos grupos com os quais escolhemos seguir. Porque o barco vai continuar chacoalhando. Mas podemos aprender a navegar – juntos, com o coração exposto, e a coragem de quem decidiu não endurecer.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/as-escolhas-e-o-tipo-de-ancestrais-que-queremos-ser.ghtml
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