Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso comenta sobre os desafios das pautas de diversidade e sustentabilidade e o emergente conceito das organizações metamodernas para lidar com esse cenário.

Todos os dias, tomamos decisões que vão afetar a nós, as pessoas que amamos e a sociedade em muitas camadas, e com impactos muito além da nossa compreensão. Se não sabemos direito as consequências das nossas escolhas, tampouco somos plenamente conscientes de onde elas vêm. Nossas decisões têm vieses inconscientes e são influenciadas pelo contexto em que estamos inseridos, embora nada disso anule a nossa responsabilidade.

Bayo Akomolafe – a quem eu tive o privilégio de anfitriar em um evento recente – diz que os valores que nos influenciam já não servem mais, e os sistemas que estes valores criaram estão colapsando. Somos produtos e produtores do estado atual do mundo, e precisamos dar um passo atrás.

Esse é um convite para irmos além da mentalidade do certo e do errado, para ganharmos musculatura ética que nos permita lidar melhor com os nossos dilemas, porque, infelizmente, nós em posições de liderança em organizações temos tomado decisões que criam impacto negativo para o sistema a longo prazo, pois estamos subordinados aos mecanismos de incentivo da lógica do lucro e do crescimento.

Compartilho algumas histórias. Fui presidente do Hopi Hari, e foi lá que encontrei significado para a minha relação com o trabalho. E essa busca me motivou a transformar o parque em um projeto de educação com entretenimento. No entanto, os acionistas queriam se livrar do parque, um ativo que não daria o resultado imaginado no plano de negócios original. Acabei demitido com a alegação de que eu era um bom “homeopata” e o parque precisava de um “alopata” , uma metáfora para dizer que o foco deveria ser a redução de custos, melhoria de resultado financeiro e produtividade. Todos conhecem esse discurso.

  • É preciso ir além e não retroceder
  • “Sobriedade em tempos de felicidade”
  • “É dos vaidosos que as organizações gostam mais”

Infelizmente, o parque é hoje uma sombra pálida do que se propôs a ser, tendo sempre de lidar com os enormes desafios financeiros impostos pelo plano de negócios original. O que seria se tivesse se transformado em uma referência para a educação com entretenimento? Não sabemos, até alguém sustentar por tempo suficiente uma proposta desafiando os pressupostos de realidade do mercado.

Algumas empresas com valores distintivos em relação ao mercado fazem sucesso, decidem abrir o capital e sucumbem à pressão implícita desse modelo, passando a jogar o jogo global do crescimento e da relevância. Depois de anos nessa aventura, geralmente o que se percebe é que o custo do esforço e a destruição de valor foram enormes, colocando em risco a própria essência da organização. Neste momento de transição no planeta, do que precisamos mais? De mais uma empresa global com foco em lucro ou de uma empresa local, próspera, que se predispõe a questionar o status quo?

Um outro tipo de dilema, muito comum aos gestores de recursos humanos, é ter que lidar com as exceções. Imagine um colaborador que precisa de um tratamento para uma doença grave que o plano de saúde não cobre. Podemos seguir a conformidade da regra da empresa para preservar os custos ou solucionar o problema da pessoa. Muitas vezes vi colegas se esconderem nas regras e anestesiarem a empatia. Embora seja fácil julgar, temos que reconhecer o quão desafiador é esse tipo de escolha, quando temos coisas importantes para sustentar e ambas são justas.

Não existe resposta certa, como diz Bayo, estamos em um espaço de transição, diante do colapso de um sistema e da emergência de outro, que ainda se espreita na. fumaça dos escombros do antigo. Precisamos aprofundar, mesmo sabendo que devemos sustentar mais boas perguntas do que tentar respostas muito rápidas.

Roman Krznaric, em seu livro “Como ser um bom ancestral”, nos oferece um caminho: Pense em uma criança que você ama muito, pode ser um filho, um neto, um sobrinho. Imagine que você observa a casa dessa pessoa daqui a 50 anos ou em um tempo em que você não estará mais por aqui. Ela, agora adulta, segura uma foto antiga sua com ela. O que ela está pensando sobre o tipo de ancestral você foi para ela e para o mundo?

Um convite para decidirmos considerando os descendentes dos nossos descendentes.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/as-escolhas-e-o-tipo-de-ancestrais-que-queremos-ser.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil