Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso comenta sobre os desafios das pautas de diversidade e sustentabilidade e o emergente conceito das organizações metamodernas para lidar com esse cenário.

As organizações empresariais ou civis têm um caráter essencialmente progressista. Foram progressistas quando ajudaram a instaurar a modernidade após séculos de modelo escravocrata, foram progressistas também ao abraçar as pautas pós- modernas como igualdade, diversidade, sustentabilidade e qualidade de vida, que notadamente ganharam força a partir da década passada. Digo isso sem ignorar todas as consequências negativas que elas também foram corresponsáveis em produzir, mas é inegável que, sendo modelos adaptativos, elas precisam se reinventar de tempos em tempos para acompanhar o espírito da época, e, com sua força social, impulsionam mudanças que afetam toda a sociedade. Assim se dá a evolução, em ciclos de crescimento e decadência de um determinado conjunto de valores e de seus artefatos, que são substituídos por um outro conjunto, em tese mais inclusivo, mais abrangente e mais complexo. É uma seta progressiva embora não linear, com flutuações, conflitos e desafios a se endereçar.

Ao que parece, estamos chegando ao fim de um ciclo liderado pelo pós-modernismo nas organizações. Seus esforços foram louváveis, porém insuficientes para resolver uma série de contradições que surgiram nas suas pautas, como por exemplo, ao adotar por vezes visões limitadas de diversidade que separam e não conseguem unir de volta; um tipo de inclusão permissiva que não foi capaz de “excluir” aquilo que é intolerante; políticas e decisões injustas e desbalanceadas em torno da igualdade; formação de grupos sectários que desconfiam uns dos outros e não constroem unidades; a imposição de certas causas sem o devido espaço ao divergente; a adoção de pautas de sustentabilidade descoladas da realidade do negócio, oscilando entre a perda de competividade e a incapacidade de produzir impacto real; e assim por diante.

  • Sobriedade em tempos de felicidade
  • É dos vaidosos que as organizações gostam mais
  • A evolução no trabalho num mundo pós carreira

Todos esses fatores, associados ao cenário crescente de polarização política, colocaram em xeque e rapidamente estão minando a preponderância das agendas pós-modernas. Organizações como a Black Rock abandonaram os fundos de ESG e a SEC, nos Estados Unidos, e tem ameaçado punir executivos que tomaram decisões privilegiando os aspectos socioambientais. Empresas como a Meta, o McDonald’s e o Walmart dissolveram suas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. Esses são apenas alguns exemplos.

O problema é que a mera dissolução dessas pautas não significa que estamos dando um passo evolutivo em direção a uma macrovisão mais sofisticada, transcendente e inclusiva; ao que tudo demonstra, o movimento dessas empresas está sinalizando um retrocesso que visa apagar toda a contribuição das pautas defendidas pelo pós-modernismo, na tentativa de voltar a uma realidade que já não é mais possível. É uma involução ao paradigma moderno do início do século XX. Acontece que as reivindicações progressistas legítimas não vão desaparecer com um fechar de olhos; elas continuarão afetando a sociedade e inevitavelmente irão afetar de volta essas organizações. Há um outro caminho mais apropriado à evolução das organizações que é a adesão a um novo e emergente código simbólico que ainda não tem uma nomenclatura consolidada, mas que chamaremos aqui de metamodernismo – um movimento emergente de um novo conjunto de valores que procura integrar os valores do modernismo e do pós-modernismo a partir de um olhar para os sistemas e suas interações permanentes.

Nas organizações, ainda é uma realidade incipiente, mas podemos antever alguns princípios que poderão descrever organizações metamodernas, sendo aquelas que se reconhecem como um sistema aninhado e parte de sistemas maiores, que evoluem com coerência centrada na preservação da vida, influenciando e sendo influenciadas pelas transformações da cultura.As empresas e organizações têm a oportunidade de encabeçar esse movimento que move o sistema adiante, sendo verdadeiramente inclusivas e sustentáveis, encontrando narrativas que permitam que a maior parte das pessoas se identifiquem, em benefício mútuo e do todo.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/alem-da-ceo-precisamos-de-organizacoes-mais-femininas.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil