Por Marcelo Cardoso
O colunista Marcelo Cardoso desce mais uma camada na discussão sobre o “lugar” da mulher e aborda características necessárias às empresas para ter uma cultura ambidestra.
“Há uma saída, mas a saída é realmente o caminho interior.” – Ken Wilber
Acredito que o trabalho de autoconhecimento terapêutico é a única forma de sermos bem-sucedidos nos desafios enormes que nos cercam como espécie, e durante muitos anos tenho trilhado por esta vereda de aprendizagem e de transformação pessoal. Foi assim que num processo de escrita terapêutica escrevi um texto bem pessoal, a princípio sem qualquer intenção de compartilhar.
Então eu fui convidado para falar num evento sobre liderança e vaidade, e resolvi lê-lo para a audiência, entendendo que embora cheio de particularidades, achei que serviria para muitos dos líderes com quem tenho me relacionado ao longo da minha carreira.
Também acho que é terapêutico, em certa medida, expor as nossas vulnerabilidades, se isso for feito com a intenção correta. E é por isso que vou compartilhar aqui também:
“Errei. Foram muitas horas escolhidas a serviço do trabalho e, depois, do trabalho com propósito. Meus filhos, mulheres e amigos: as horas que eu podia estar
presente com vocês e não tive, elas não voltam mais. Mas as horas ainda mais doídas foram as oportunidades que eu deixei de estar comigo mesmo.
Milhares de horas de aeroportos e hotéis. De estar nos lugares sem experimentar os lugares. A vida passou e eu trabalhei, não estive presente no nascer e no pôr do sol, de dias incríveis. Estive na praia e não pus os pés na areia. O pássaro pousou ao meu lado e eu não notei a sua presença. Uma brisa leve acariciou meu rosto e eu não correspondi.
Me distraí da vida, vivendo uma vida intensa e cheia. Acelerando, me atrasei para o momento que estava diante de mim. Dedicando a minha energia vital com a narrativa de servir um propósito, eu me distanciei de mim, preferi fazer companhia para a miragem que eu acreditei que eu era.
Agora, na luta para não encostar no meu desamparo, produzi o que eu mais queria evitar, estou desamparado de mim mesmo. Não sei o caminho para me encontrar. Quem realmente eu sou? Do que eu gosto? De quem eu gosto? Eu só queria ser amado e escolhi o caminho de ser grandioso para me apequenar. Se eu me encontrar, e quando me encontrar, viverei para quê? Neste redemoinho, até agora, o que vale dos escombros? O que se preserva? O que é essencial? Bem, estou aqui, vivo e saudável!”
As organizações se alimentam da energia psíquica das pessoas, e é dos vaidosos que elas gostam mais. Todo resultado delas é produzido pelo esforço coletivo que vem da energia psíquica das pessoas.
O que é energia psíquica? Acordar à noite, responder mensagens a qualquer hora, pensar no trabalho diante dos filhos, lembrar dele enquanto transa. A energia psíquica está no tempo psicológico e não no cronológico. E ela é a base do contrato psicológico que assinamos com os nossos trabalhos.
A energia psíquica segue o script da nossa personalidade, que cada um de nós construiu nos primeiros sete anos de vida. Aqueles como eu, que criaram um script focado no sucesso, realização e ação, são os preferidos das organizações.
A questão é que essa busca de preencher o script pelas realizações profissionais é um buraco sem fundo, e nós nunca alcançaremos aquilo que não tivemos quando éramos pequenos.
E as organizações são desenhadas para que projetemos essas nossas necessidades não atendidas e, sistemicamente, estão direcionadas para dar mais lucro, para
produzir mais coisas que não precisamos, para continuar crescendo ao nos manter insatisfeitos como consumidores. Qual é o caminho? Voltar para casa….
Passar pela “noite escura da alma”. Se desmontar da máscara que criamos para esconder nossa vulnerabilidade, e ter humildade. Podemos almejar um propósito, mas sem ter apego ao resultado. Fazer em nome da jornada, pelo aprendizado. Mas estabelecer limites saudáveis para vivermos o aqui e agora. No fim, a vida é sobre os afetos que tivemos, e aqueles que deixamos de cultivar. E se sairmos dessa situação atual como espécie, aquilo que chamamos de organização e de trabalho, terá que ser algo muito diferente.
Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/alem-da-ceo-precisamos-de-organizacoes-mais-femininas.ghtml
Venha com a gente