Por Marcelo Cardoso

O colunista Marcelo Cardoso desce mais uma camada na discussão sobre o “lugar” da mulher e aborda características necessárias às empresas para ter uma cultura ambidestra.

Terminei o ano passado com um voto de sobriedade diante do contexto de mundo em que guerras e crises diversas se acirravam, tornando a vida, no sentido coletivo, mais difícil.

Acho que para este ano precisamos ir ainda além. Afirmo isso motivado por uma trend que vi recentemente, em que diversos influenciadores e artistas divulgaram uma mensagem do tipo “como eu não posso ser feliz?”, em seguida enumeravam todas as conquistas e sucesso acumulados ao longo de 2024, entre fotos de viagens, eventos, compras e demonstrações de afeto.

Vejo muitos problemas nesse tipo de manifestação, esse culto à felicidade, essa mensagem “indiscutível” e onipresente da nossa sociedade contemporânea.

Em primeiro lugar, sem contraponto, isso implica que há algo errado em sentirmos tristeza ou infelicidade, o que limita as pessoas de reconhecerem uma ampla gama de sentimentos e situações negativas, e desse modo, perdem toda a vasta riqueza de recursos interiores, nutrientes do necessário metabolismo que nos permite construir uma vida adulta madura e integrada. Lembro aqui da animação “Divertidamente”, da Pixar, que soube dar o devido lugar para a Tristeza na vida interior da pequena protagonista da história.

A segunda questão é que nos entorpece para as realidades coletivas de sofrimento que estão acontecendo neste exato instante. Há fome e desigualdade, há diversas formas de exclusão e perseguição, há violência e aumento dos efeitos climáticos, há refugiados.

Existem muitas organizações que embarcaram nesta agenda pela dita felicidade, que criam cargos corporativos marqueteiros como “Chief Happiness Officer”, ao mesmo tempo que causam uma série de impactos negativos do ponto de vista social e ambiental, como a indústria de bebidas alcoólicas, por exemplo. Ao mesmo tempo que estas estruturas procuram promover o bem-estar dos colaboradores, tem algum consumidor em algum lugar do mundo bebendo mais do que deveria, tendo comportamentos destrutivos para ele e o seu entorno.

No fundo, as organizações funcionam para produzir valor econômico e “todas” elas geram externalidades negativas. Portanto, todos os esforços de desenvolvimento de liderança, de cultura e saúde e bem-estar nas organizações deixam as pessoas mais produtivas para produzirem mais danos sistêmicos.

A indústria do bem-estar e felicidade gera US$ 4,5 trilhões no planeta, e ao mesmo tempo, 1,1 bilhão de pessoas vivem na pobreza. Devemos nos perguntar para quem estamos gerando felicidade realmente e, se eu estou bem, a serviço de quem e do que estou colocando o meu bem-estar, lembrando que em algum momento vou experimentar perdas na vida.

Este hedonismo, popular e presente em nosso imaginário, torna-se mera tentativa de fugir do oposto da felicidade. É esse medo da infelicidade que está sempre à espreita em nosso subconsciente. Se não integrarmos essa sombra do medo do sofrimento, vamos cada vez mais nos afastar de nossa essência e nossa verdade,
produzindo justamente aquilo que tentamos evitar, tal qual foi mostrado no filme “A Substância”(2024). Não é por acaso o seu sucesso controverso nos dias de hoje.

Ser sóbrio significa cultivar um espaço contemplativo de resguardo íntimo, ao mesmo tempo, ser empático, sensível e respeitoso para os dramas e sofrimentos que atravessamos como sociedade. Estamos ainda em meio a este cenário turbulento, de modo que, para não repetir a mesma palavra, ofereço como voto para 2025 a equanimidade, quase um sinônimo.

A equanimidade em sua forma mais cristalina nos permite experimentar um estado em que se “dói mais, mas sofremos menos”, como diz Ken Wilber. É a responsabilidade de estarmos vivos nessa época, sendo aptos para responder à dor sem sucumbir, sem desesperar e adoecer, que nos move para a ação que promove regeneração. Nesse processo conseguimos sustentar o paradoxo que é a própria vida, oferecendo o nosso melhor para servir e cuidar de nós mesmos e daqueles que afetamos diariamente.

Link para o artigo original: https://valor.globo.com/carreira/coluna/alem-da-ceo-precisamos-de-organizacoes-mais-femininas.ghtml

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil